terça-feira, 14 de novembro de 2017

Quem Controla o Poder Judicário?


Uma análise do processo de aprovação do orçamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
 Gabriel Ferreira Pedro
O poder judiciário é o terceiro braço do Estado, responsável pela solução de conflitos da sociedade e por assegurar os direitos dos cidadãos. Estas ações são garantidas pelos órgãos que compõem o poder judiciário – estabelecidos através da Constituição Federal de 1988 -, sendo os de maior importância o Supremo Tribunal Federal (STF), o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Justiça do Trabalho e a Justiça Militar.
Por conta dos recentes escândalos de corrupção e crise política que o sistema político brasileiro viveu no último decênio, o STF acabou ocupando quase todo o espaço da mídia e das comunicações em geral, chegando ao ponto do mesmo representar simbolicamente o poder judiciário por completo. Dessa forma, todos os órgãos além do STF acabaram por passar despercebido por grande parte da população brasileira, principalmente na questão orçamentária, mesmo com todos os dados de acesso à informação disponíveis para a população. Este é o caso do Superior Tribunal de Justiça.
Criado com a Constituição Federal de 1988, o STJ é a corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil. Também é de responsabilidade do STJ julgar todas as matérias infraconstitucionais não especializadas, ou seja, aquelas que não são ligadas à Justiça do Trabalho, Militar e Eleitoral. Em sua composição, têm-se trinta e três ministros, todos nomeados pelo Presidente da República, e de origem diversificada: um terço de desembargadores federais, um terço de desembargadores de justiça, e um terço de advogados e membros do Ministério Público. Atualmente, o STJ é presidido pela ministra Laurita Vaz.
Assim como todos os outros órgãos do poder judiciário, o plano orçamentário do Superior Tribunal de Justiça é elaborado por um comitê especial formado por membros do próprio órgão. Para o ano de 2018 foi orçado uma quantia de 1,4 bilhão de reais, sendo esta uma quantia relativamente baixa se comparada a outros órgãos do poder judiciário, como a Justiça do Trabalho (R$20 bilhões) e a Justiça Federal (11,4 bilhões). Porém, ao analisar a composição dos gastos, nota-se que o STJ reserva cerca de dois terços de todo o orçamento para o pagamento de pessoal (aposentadoria, pensionistas e vencimento de pessoal), restando apenas um terço de toda quantia para os gastos anuais. Toda essa discussão sobre a composição do orçamento do STJ dá pano pra manga para outro artigo, mas vale a pena ressaltar mais uma vez que a elaboração do plano orçamentário é feita pelos próprios membros do STJ.
Seguindo o processo de aprovação do orçamento, ao ser aprovada pela corte especial do STJ, o plano orçamentário segue para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para que este emita o seu parecer favorável ou não ao programa. Mas antes do parecer, é necessário entender o que seria o Conselho Nacional de Justiça e qual sua função neste processo.
O CNJ foi criado em 2005 e é uma instituição pública que visa aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro, principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência administrativa e processual. Todo plano orçamentário de todos os órgãos do poder judiciário devem passar pela análise do CNJ e ser aprovado pelo mesmo. O conselho é composto por 15 conselheiros indicados pelos próprios órgãos do poder judiciário, sendo nove magistrados, dois membros do Ministério Público, dois advogados e dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada. Ou seja, é um conselho composto majoritariamente por membros do próprio poder judiciário.
Dada a composição dos órgãos de formulação e análise do plano orçamentário, é intuitivo deduzir o resultado do parecer do CNJ: O parecer é sempre favorável. Daí, o plano orçamentário segue para o Ministério do Planejamento para ser aprovado.

A grande questão que fica depois disso tudo é: Quem controla o poder judiciário, se são eles mesmo que formulam e julgam o próprio orçamento? O poder judiciário está presente desde o início até o fim do processo de aprovação do plano orçamentário, assim como no planejamento da alocação dos recursos recebidos. Todas estas informações estão disponíveis no portal transparência do Superior Tribunal de Justiça e são abertos para a população consultá-las, porém que poder teria ela para questionar uma máquina tão bem estruturada como à judiciária?

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

CHOQUE DE JUSTIÇA E GESTÃO DO JUDICIÁRIO


Esdras Santos   8919318
A ONG Human Rights Watch divulgou no início desse ano um relatório sobre a situação dos direitos humano em presídios de 90 países, com dados coletados em 2016. Nesse documento o Brasil apresenta condições precárias, com população carcerária 67% acima do suportado pelo sistema. Como reflexo dessas condições a crise penitenciaria estourou no norte do país, no inicio de 2017,  provocando 133 mortes de detentos  em território nacional em apenas 15 dias.
O projeto Choque de Justiça1 surgiu como uma resposta a essa crise, ele tem como objetivo a reavaliação jurídica da situação de pessoas inseridas no sistema prisional e como enfoque a resolução dos processos de prisões provisórias. Segundo Ministério da Justiça 41% das pessoas presas estão em condição provisória, ou seja, ainda não foram julgadas.
No dia 12 de janeiro de 2017, os presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados se reuniram com a Ministra Carmen Lúcia - presidente do CNJ, órgão que esta coordenando as ações do projeto - e comprometeram-se a coletar dados sobre os presos e acelerar os julgamentos dos processos de prisões provisórias.  No entanto, além de muitos TJs apresentarem dados inconsistentes e desorganizados, como afirma o CNJ, também encaminharam planos com pouca clareza na definição das atividades e do cronograma; a maioria apresentou atos normativos (regra com poder de coerção) desconectados do objetivo da ação.
O resultado dos esforços apareceu após o primeiro quadrimestre de 2017, com queda no número de presos, gerando assim uma quebra na tendência ascendente, houve uma redução de 4 mil presos provisório. Dos processos de prisão reanalisados foram absolvidos cerca de 21 mil pessoas, o que corresponde a 24% do total reanalisado. Pode-se depreender pelo apresentado no relatório do CNJ e nos frutos dos trabalhos do poder judiciário,  que a proposta apresentada tratou-se também de um choque de gestão passageiro e incipiente, uma vez que, mesmo com o proposito parcialmente alcançado, ficou clara a dificuldade dos Tribunais de Justiça definirem metas tangíveis e ligadas ao objetivo.
O ponto de partida para solucionar esse problema já foi tomado; treze anos atrás não havia nem mesmo estatística nacional sobre processos judiciais, orçamento dos tribunais ou quantidade de magistrados do Poder Judiciário brasileiro, foi em 2004 que o STF divulgou o primeiro Relatório Justiça em Números2, elaborado pelo CNJ. Já no relatório de 2017, com ano base em 2016, é possível perceber uma tendência de aumento da despesa total com o Poder Judiciário desde 2009. Apesar do crescimento constante dessa despesa a série histórica de processos pendentes tem aumentado continuamente nesse período, como ilustra o gráfico abaixo.
SÉRIE HISTÓRICA DE PENDENTES
Fonte: Relatório Justiça em Números (2017)

Há um esforço perceptível do Judiciário, através do projeto Choque de Justiça e dos dados coletados no Relatório Justiça em Números, em compreender os gargalos do sistema que fazem parte e tentar soluciona-los, no entanto o aumento crescente das despesas em contraste com a persistência do crescimento de pendentes, assim como a dificuldade dos TJs em coordenar esforços para atingir ao objetivo do Choque de Justiça, demonstram que para além de zelar do cumprimento da norma legal o Poder Judiciário precisa também de gestão interna para proporcionar atendimento mais eficiente e eficaz à população.

A Insuficiência de Defensorias Públicas no Brasil
Segundo estudo do Ministério da Justiça, as Defensorias Públicas de 15 estados brasileiros ainda abrangem menos de 50% de suas comarcas.
 Por Giuliano Artero
 13/11/2017

         Qualquer pessoa que tenha necessidade pode conseguir atendimento jurídico gratuito, seja para obter defesa ou dar início a um processo. Para isto, basta que ela comprove que não tem condições de pagar as custas de um processo e os honorários de um advogado sem que assim acabe prejudicando seu sustento próprio ou o de sua família.
         O critério utilizado para selecionar aqueles que podem (ou não) ter acesso a este serviço, majoritariamente, é o valor da renda familiar do indivíduo. Para poder contar com o atendimento, a pessoa não pode ter uma renda familiar líquida superior a 3 (três) salários mínimos, o equivalente a aproximadamente R$ 2.811,00.
         Também há a possibilidade de o defensor público analisar casos específicos para atender pessoas que recebam mais do que este valor, quando ficar demonstrada uma situação de vulnerabilidade enfrentada pelo indivíduo, como por exemplo pela idade ou algum tipo de incapacidade, ou para grupos específicos e minorias – como migrantes ou imigrantes- ou então por pobreza, e gênero.
         O meio pelo qual qualquer cidadão, desde que enquadrado nos critérios acima, pode alcançar a orientação jurídica desejada é a através de uma Defensoria Pública. Tal órgão foi criado especialmente para assegurar o direito de acesso à justiça de forma integral e gratuita para as pessoas consideradas necessitadas, interpretadas neste caso como aquelas economicamente incapazes ou que se encontram em alguma situação de vulnerabilidade.  Este direito está previsto no artigo 134 da Constituição Brasileira, e também deveria ser garantido assim como o direito à saúde e à educação, por exemplo. 
         Sendo este um direito tão importante, uma vez que muitas questões do cotidiano são resolvidas no âmbito jurídico e que não raramente estão à margem de qualquer conhecimento da maioria da população, é necessário que as Defensorias Públicas consigam dar conta de toda e qualquer demanda que necessite deste serviço.         
Contudo, o IV Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, um estudo produzido pelo Ministério da Justiça em parceria com o CEJUS (Centro de Estudos sobre o Sistema de Justiça) publicado em 2015, nos mostra que a cobertura da Defensoria Pública ainda é insuficiente e muitas vezes inexistente em muitas localidades do nosso vasto país.   
      
  Em 2014, o Brasil possuía 2.727 comarcas (circunscrições jurídicas territoriais), porém em apenas 1088 delas havia ao menos um defensor público para atender à respectiva população pertencente a comarca, o que representa uma taxa de cobertura razoavelmente baixa de aproximadamente 40%.  
      
 Tendo em vista que aqui tratamos das Defensorias Públicas estaduais, observaram-se também diferenças entre os próprios estados da federação quanto ao número de comarcas abrangidas por ao menos um defensor público. Os estados, que possuem as piores taxas de cobertura são Goiás (2,3%), Bahia (10,1%), Rio Grande do Norte (13,8%), Paraná (14,6%) e São Paulo (15,8%)².
           Ao lado observamos um mapa que destaca a proporção de     comarcas atendidas pelas Defensorias de cada estado em 2014.
         Foi em meio a este cenário que em 2014 o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional n°80, a qual prevê que “o número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço de Defensoria Pública e à respectiva população”, e ainda que “no prazo de 8 (oito) anos a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais”.               
         Tal proposição, apesar de ser claramente positiva para fortalecer e capilarizar a atuação das defensorias estaduais, depende em grande parte do emprego de recursos (humanos, físicos e financeiros) dos governos estaduais para que as metas possam ser cumpridas. Logo, a expansão das Defensorias também passa necessariamente pelo interesse e capacidade do poder público estadual em expandi-las.
         Apesar de aprovada em 2014, o caminho a ser percorrido pelos estados para a aplicação da meta estabelecida pela EC n°80 é complexo, conforme podemos observar no gráfico que trata da abrangência das comarcas pelas Defensorias estaduais.
         A variação das abrangências por comarcas pelas Defensorias Públicas estaduais entre 2003 e 2014 nos fornece um panorama quanto às oscilações, tanto de expansão como de retração, permitindo termos uma ideia do desafio a ser enfrentado para atender à meta da EC n°80/2014.
         Apesar de algumas variações positivas, 15 estados ainda possuem suas defensorias abrangendo menos de 50% de suas comarcas. Ou seja, durante os 11 anos analisados pela pesquisa, mais da metade dos estados brasileiros, incluindo também o Distrito Federal, não foram capazes de fornecer esse tipo de serviço de assistência jurídica sequer à metade das comarcas pertencentes aos seus territórios.

         Mesmo considerando que as comarcas variam quanto número de habitantes, de eleitores, receita tributária, movimento forense e a extensão territorial dos municípios do estado e logo podem atender números distintos de pessoas de acordo com a magnitude de cada comarca, evidencia-se que ainda há um grande número de pessoas que, mesmo não tendo sido estimado numericamente no estudo, evidentemente não gozam se quer da possibilidade de buscar qualquer tipo de assistência jurídica gratuita fornecida pelo Estado.
         Ainda que seja explicitamente garantida pela Constituição, a assistência não vem sendo integralmente garantida aos cidadãos de direito, o que prejudica, novamente, os já mais prejudicados: aqueles incapazes de usufruir dos sistemas de justiça por se encontrarem vulneráveis, tanto social como economicamente.


 
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